O jornalismo que a automação não alcança

Um dos fatos que serve como um interessante termômetro para medirmos a expansão do interesse pela inteligência artificial não só no meio corporativo – que, em maior ou menor grau, já vem investindo ao longo dos últimos anos em ferramentas de robótica e no uso de algoritmos de automação para diferentes processos –, mas entre o público geral, pode ser demonstrado por meio do aumento significativo das buscas na internet sobre o ChatGPT.

Analisando dados do Google Trends – ferramenta do Google que mede tendências de pesquisa no buscador – é possível identificar um crescimento exponencial nas pesquisas sobre a plataforma de IA Generativa da Open IA que ganhou escala, sobretudo, a partir de janeiro de 2023, conforme se observa no gráfico a seguir:

No mesmo mês de janeiro, o ChatGPT teve o equivalente a 863 milhões de acessos a nível global, o que representa um avanço impressionante de 42119.2%, dentro de um período de apenas 1 ano, segundo dados da OpenIA divulgados em reportagem da Forbes de maio deste ano. 

Todo esse interesse, naturalmente, gerou pautas de discussão em veículos especializados e na grande mídia acerca das possibilidades, benefícios e também dos riscos da inteligência artificial relacionados, por exemplo, a substituição da mão de obra humana pelo trabalho automatizado das máquinas e dos softwares com infraestrutura baseada em algoritmos.

Inteligência artificial e jornalismo

Tais pautas alcançaram o terreno do jornalismo em um debate que se justifica quando observamos o progresso do uso de ferramentas de robótica no segmento da comunicação. De acordo com um estudo da consultoria Statisa realizado globalmente com grandes empresas de mídia, o uso de inteligência artificial já é considerado muito importante em atividades que incluem:   

  • Recomendações automatizadas (40% dos entrevistados);
  • Finalidades comerciais como uma melhor desenho dos modelos de paywall (38% dos entrevistados);
  • Suporte em atividades jornalísticas operacionais como transcrição e legendagem (28% dos entrevistados);
  • Apoio para a identificação de pautas e análise de dados (20% dos entrevistados);
  • Produção jornalística automatizada com o uso de robôs (10% dos entrevistados).

Sobre o último dado, um exemplo ilustrativo que ganhou manchetes em portais e veículos da imprensa foi o BuzzFeed, que afirmou que usaria inteligência artificial para, citando matéria da Exame de março, “escrever textos e deixá-los mais atrativos para o Google”.

Considerando tais dados, parece possível inferir que, ainda que limites sejam impostos para a aplicação da inteligência artificial na sociedade – a exemplo da China, que restringiu o acesso ao ChatGPT e está estudando, assim como outras nações, projetos regulatórios relacionados com o uso de I.A – não se trata mais de questionar a possibilidade, mas como e em que medida as soluções de inteligência artificial e os processos robotizados afetarão as rotinas do mercado de comunicação.

Autenticidade e relevância

Dentro dessa reflexão, cabe também o questionamento do que os veículos, agências de comunicação e os diversos agentes da sociedade buscam quando pensam em jornalismo: nossa hipótese é a de que sempre haverá espaço para conteúdos relevantes e autênticos produzidos por humanos.

É muito possível – e até provável – que os modelos de produção jornalística padronizados não de acordo com princípios de qualidade, mas de mera indexação em pesquisas e volume, sejam, de fato, automatizados por ferramentas de IA generativa. 

Mas o valor do jornalismo – sobretudo na vertente das reportagens, análises amplas e das diferentes linhas críticas – não reside em um apanhado de dados ou informações costuradas friamente, mas na reflexão, na personalidade que atrai leitores e no equilíbrio entre a busca pelo fato e a subjetividade própria do olhar humano que interpreta, traduz e constrói pontes de diálogo no debate público.

Nessa vertente, a inteligência artificial pode até ser um recurso para a pesquisa, mas não há porque temê-la.

*Este artigo foi produzido por um humano